sábado, 11 de setembro de 2010

Dia a dia de solteira

Inscrição na areia

O meu amor não tem
importância nenhuma.
Não tem o peso nem
de uma rosa de espuma!

Desfolha-se por quem?
Para quem se perfuma?

O meu amor não tem
importância nenhuma.

(Cecília Meireles)

O sol espalhava seus milhões de raios finos e coloridos pela tarde que tinha o cheiro fresco e honesto de terra molhada. E a dona de casa nem via aquele lindo pôr-do-sol, pois estava preocupada demais com as tarefas ali na cozinha. A mãe limpara toda a casa, agora só falta preparar o café para quando eles chegarem morrendo de fome. Suco, bolo, pão, geleia, manteiga, leite... o que mais mesmo? “Tenho que começar a fazer esse bolo logo.”
No centro da cidade, o executivo trabalhava no layout de um anúncio de creme facial de uma empresa francesa. Suava com aquele calor cruel. Já estava com a corda no pescoço, pois era para ter entregado esse projeto ontem, ainda bem que estenderam o prazo até hoje à noite. O pai perdia seus dias frente a um computador sob a luz branca do seu cubículo. “Tenho que ligar em casa e avisar que vou chegar tarde hoje.”
Saindo da academia de ginástica, a menina de olhos azuis olhou para o rapaz de camiseta regata que estava encostado no balcão da lanchonete. Ele não a viu. As amigas perceberam. A menina de olhos azuis não iria dormir em casa.
O menino de olhos azuis saída da aula de tênis, quando viu um carro preto parado na esquina, era o furgão de um amigo, o menino também não dormiria em casa.
Tudo na casa estava lindo, o chão encerado, os cômodos perfumados, a mesa posta. Tudo perfeito. Enquanto a mãe tomava seu banho, a secretária eletrônica gravava os recados: “Amor, hoje vou chegar mais tarde, tenho que terminar aquele projeto. Te amo”, “Mãe, vou sair com as meninas depois da academia, viu? Beijo”, “Mãe, vou dormir na casa do Marcos hoje, tá? Até amanhã”.
Oito horas no relógio da sala, silêncio. Na mesa da sala de jantar, um pires, uma xícara, uma colherzinha de café. No banheiro, uma toalha molhada, um pote de creme hidratante, uma escova de dente. Na mesinha de cabeceira, um copo d’água, um livro, cinco comprimidos. Amanhã é um novo dia.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Sem motivo

Mesmo com toda beleza
Não lhe quero dizer
Uma cançãozinha de tristeza,
Da noite ou do entardecer.

Eu quero escrever
Trova daquele prazer
E que fale deste amor,
De deleite e também de dor.

Da chama que havia sido
Que, em demasia,
Transformara o acontecido.

Dor que queima e consome,
Sem motivo extasia
E, assim, rápida, some.