Aqui estou eu, como de costume, com a testa contra o vidro da janela, absorta em olhar para a casa em frente. A rua, uma pequena travessa de uma rua mais larga, foi toda construída pelo meu marido, empreendedor jovem e muito ativo. São duas filas de prediozinhos, todos iguais, cor de cacau, de três andares cada um. Meu marido ainda não acabou de vender todos os apartamentos. Na verdade, no primeiro andar do prédio onde moramos, o escritório de vendas ainda está aberto.
O que é que olho, de pé, meio escondida pela cortina? Olho para as três janelas do último andar do prediozinho em frente. Duas dão na sala de estar e uma no quarto. Naquele apartamento, mora uma mulher muito parecida comigo; sem dúvida, uma sósia. Ela é, como eu, alta; como eu, loura; como eu, tem pernas magníficas e nada de peito; como eu, tem um rosto severo e germânico. Aqui, porém, acaba a semelhança. Eu, como já disse, sou casada. No meu apartamento, vivem comigo os meus dois filhos, meu marido, a empregada, a governanta suíça. A minha sósia, contudo, vive sozinha.
Desta primeira diferença provêm muitas outras. O que observo, no fundo, olhando todo o dia a sua casa? Observo as diferenças que se passam entre ela e eu.
São onze horas e – como sei já há algum tempo – ela ainda dorme, extenuada pela devassidão, pelos excessos, pelas complicações sentimentais. Mas sua vida está diante dos meus olhos. O brilho dos vidros não me impede de ver sua sala de estar; e o que vejo fala por si só. Sua sala de estar é muito diferente da minha, que é a sala de estar tradicional e imbecil da boa senhora burguesa de bem que eu sou: penduricalhos, abajures, sofazinhos, cadeirinhas, poltroninhas, bibelôs e assim por diante, graciosamente falando. A sala dela, entretanto, é uma cena de teatro para um drama contínuo: um sofá branco, gigantesco, no qual se podem sentar quinze pessoas em fila; uma mesa longa e estreita de aço inoxidável e vidro temperado; poucos enfeites maciços e de grande valor; um quadro informal na parede; um tapete laranja no chão. Eu disse que aquilo que via falava por si. De fato: a mesa está cheia de frascos, garrafas, copos em grande desordem. Três cinzeiros estão transbordantes de bitucas e de cinza. Pior: notam-se alguns saquinhos de papel abertos, similares àqueles que contêm os pozinhos das farmácias; bem como alguns pratinhos com cubinhos de açúcar. O sofá, agora, parece – e é, na verdade – uma cama desfeita depois de uma delirante noite de sexo: almofadas amarfanhadas, fora do lugar. Sobre um dos braços, um trapo preto: uma meia-calça? Uma combinação?
Logo – não há dúvida – naquela sala, ontem à noite, houve uma orgia, uma libertina e escandalosa orgia. A cena está vazia, mas o drama pode ser reconstruído em detalhes: primeiro o álcool (as garrafas, os copos), depois a droga (os saquinhos de papel, os cubinhos de açúcar), por fim o erotismo (as almofadas do sofá, as roupas femininas). Sim – é assim –, enquanto eu me dirigia ao cinema do bairro, pelo braço do com meu marido, para ver o mesmo filme cômico; lá, naquela sala, a minha sósia pintou o diabo a quatro. Que vergonha! Que vergonha! Mas, por que não se intervém para impedir coisas assim? O fato de não acontecerem em público não é uma boa razão para fecharem-se os olhos.
Lá está ela finalmente, a viciosa, a desenfreada. No fundo da sala, distingo sua figura que avança hesitante, oscilante, em direção à janela. Está de roupão, um luxuosíssimo roupão de pesada seda preta e vermelha, de modelo japonês, muito diferente dos meus roupõezinhos cor-de-rosa ou azulzinhos. O roupão está aberto, entrevê-se seu corpo de amazona impudica, de valquíria promíscua. Boceja, arruma os cabelos com a mão, já aperta entre os dedos um cigarro aceso. Vai até a janela e eu sei por que. No parapeito da janela, está o telefone. Todas as manhãs, na mesma hora, às onze e meia, seu amante fixo, quem talvez a mantenha; quem, em todos os casos, dirige-a, aconselha-a e utiliza-a para seus experimentos cerebrais; um intelectual, magro e pálido de rosto imberbe e olhos frios como aço, telefona-lhe para informar-se minuciosamente sobre sua vida. Lá vai ela, então, pegar o gancho do telefone e responder com ar diligente e pontual de uma aluna que responde às perguntas de um professor. Aluna do vício, professor diabólico. Nesse mesmo momento, do fundo da sala, todo nu, menos por uma toalha estreita entorno dos quadris, atlético, peludo, aproxima-se o homem com quem ela passou a noite. Ele pega uma das muitas garrafas, virando-a goela abaixo. Pensem, vodca ou uísque às onze da manhã. Em seguida, aproxima-se dela, que já terminou de telefonar, pega-a por um braço. Desaparecem pela porta da direita, que dá no banheiro. Eu sei o que vão fazer: tomar uma ducha juntos.
Como são diferentes os meus despertares. Meu marido sai de casa às sete, acordo sozinha, ocupo-me dos meus filhos, não recebo telefonemas e, uma vez no banho, não há nenhum homem que me ensaboe e, também ensaboado, abrace-me sob o chuveiro. Sou uma senhora honesta, uma mãe de família. Não uma aventureira, umazinha qualquer, como aquela ali.
Lá estão, ambos vestidos. Ele usa uma túnica indiana, com desenhos estilo caxemira, colarinho fechado; as calças são de veludo preto. Sua face satânica é emoldurada por duas enormes costeletas e por uma cabeleira impetuosa. Ela veste calças de cintura baixa e uma jaqueta curta: a barriga está praticamente de fora. Ela penteou-se, enfeitou-se, maquiou os olhos de preto. Grandes e pesados anéis falsos nos longos dedos de unhas escarlates; correntes em profusão, no pescoço, nos pulsos; uma flor pintada em uma bochecha. Preguiçosa, felina, elegante, vai e vem pela sala, pondo-a em ordem. Ele, porém, fuma sentado em uma poltrona.
Mas eis o segundo telefonema da manhã. O do terceiro homem. Pontual, como todos os dias, ao meio dia e meia. Ela fala no auscultador e sua expressão muda mais uma vez. Com o homem da face satânica é depravada, cúmplice; com o intelectual que a dirige, obediente, submissa; com o terceiro homem, afetuosa, doce. Quem é o terceiro homem? É um rapaz, um estudante. Eles se amam, o homem da face satânica o sabe e aprova; o intelectual, por sua vez – em minha opinião – não sabe disso ainda. É, é, complicações viciosas, tortuosas; não basta trair, deve-se ainda trair o homem com quem se trai. E, além disso, com o seu consentimento, com a sua cumplicidade. E pensar que eu sou fiel a meu marido. No máximo, ano passado, em agosto, na praia, um jovem respeitoso e bem educado fez-me a corte. Somente a corte. Nem mesmo um beijo que é um beijo, não lhe dei.
Ela ri, brinca, comprime o gancho do telefone contra os lábios, num beijo final. Depois, pega de novo o copo e o cigarro e, sem cerimônia, vai-se sentar nos joelhos do homem da face satânica. Longo beijo. Em seguida, falam, com seriedade, de qualquer coisa que só pode ser o dinheiro. Que coisa, realmente, pode haver de sério entre gente assim, se não o dinheiro? Ao fim da discussão, a minha sósia introduz a mão dentro da túnica do homem, tirando uma carteira e desta algumas notas de dez mil. Coloca-as sobre a mesa. Novo beijo, talvez de agradecimento.
Lá, no fundo da sala, a porta se abre, entra o rapaz que lhe telefonou há pouco. Jaqueta aberta, jeans, botas de couro cru, cachecol no pescoço. Cabeça poética, morena, magra, delicada, com alguma coisa de livre e de agressiva. Ela se levanta, pega as notas de dinheiro e, enquanto o abraça, introduz-lhas na mão. A mão se fecha com as notas e sobe até o bolso, fazendo-as desaparecer. O beijo, no entanto, continua sob os olhos divertidos do homem da face satânica. Que coisa, que coisa. E eu olhando. E eles que não percebem que eu olho. E, a dois passos de mim, uma vida tão diferente da minha. Que coisa, que coisa.
Mas não é o bastante. Eu sei que não é o bastante. Como poderia bastar? Alguém, agora, avança do fundo do aposento. Uma mulher, não bonita, com os cabelos curtíssimos, depenados, roídos. A face branca e empoada, a boca vermelha como sangue, os olhos delineados em preto. Vestida como homem, com calças malva e pulôver preto, com ar de um Pierrô envelhecido e podre, quarenta anos, talvez até mais. Enquanto os dois se beijam e o outro impassível – mas talvez não de todo indiferente – observa-os, ela vai por trás da minha sósia e coloca-lhe as mãos sobre os olhos, como se dissesse: “Adivinha quem é.” Graciosíssima ceninha, não há o que dizer. Poderia ser, no fundo, somente a expressão de uma relação de amizade afetuosa entre duas mulheres. Mas há a estranheza do homem do rosto satânico que observa. E, além disso, ainda há o outro, entre as duas mulheres, não sei certamente, não me obriguem a dizer.
Mas, ah! Lá longe, ao fundo da sala, alguém avança, e quem é? Inevitavelmente, só poderia ser o intelectual do rosto glabro, dos olhos frios como aço. Prossegue, pára, olha: vê minha sósia que beija o estudante, a mulher vestida de homem que está com as mãos sobre os olhos da minha sósia, o homem da face satânica que observa tudo aquilo, satisfeito, sádico voyeur. É como uma fotografia que, num relâmpago de magnésio da duração de um momento, fixa para sempre uma cena incrível e excessiva. O que sucederá agora? Uma explosão de ódio? Ou, como é de se acreditar, um acordo geral, prenunciando uma ampla associação de tipo orgástico?
Uma mão pousa sobre meu ombro, dou um pulo, porque não previa que meu marido voltasse tão cedo para o almoço. Ouço sua voz que diz: “Mas o que você está olhando, pode-se saber o que você está olhando? Aquele apartamento vazio? E o que pode haver de interessante em três janelas fechadas? A propósito, uma boa notícia: eu o aluguei finalmente, justamente esta manhã. A uma pessoa de absoluta confiança. Ao proprietário da grande exposição de automóveis na praça aqui do lado. É casado e tem três filhos ainda pequenos.”
PS: Tradução livre do conto L'orgia. In: MORAVIA, Alberto. Il Paradiso. Milano: Bompiani, 1970.