sábado, 12 de março de 2011

Nem tudo é o que parece (do homem)

E se eu não precisasse mais ficar aqui? E se eu nunca mais fizesse isso? Nem viesse aqui? Em vez de incontáveis noites de barriga contra o balcão, eu tivesse uma casa confortável em um bairro afastado. Uma casa com uma cerquinha branca e um cachorro cor de caramelo. E alguém para quem voltar... e aí, como eu ficaria?
Ele pensava olhando assim para o nada, como alguém quando fala ao telefone. Enquanto isso, os amigos olhavam para a grande televisão na parede, gritavam sempre mais alto como se os jogadores, do outro lado do mundo, os pudessem ouvir. Estavam tão compenetrados no jogo que nem perceberam que o Pensador saíra da mesa e já havia ido embora.
Antes de virar a esquina, ele olhou para trás. Viu a fila de pessoas esperando para entrar naquele barzinho tão disputado. Os amigos numa mesa tão boa! Homens e mulheres, todos tão bem arrumados. Será que a mulher da vida dele estaria ali? Seria a de salto alto? A de batom rosa? A de calça ou a de saia? Não! Não era ninguém dali. Ela não estava, pois nunca ali havia ido. Pois nunca havia ido a lugar algum.
Seria tão bom achar alguém assim... capaz de tamanho amor que iria até o fim do mundo buscá-lo, somente para viverem juntos aquele amor infinito de um só fim de semana. Alguém aquém de contratos, inquisições e preços a pagar. Ele pensava naquela que sonharia com ele sob a luz da lua, confiando na eternidade de um sentimento já tão findo. Ele precisava de alguém que, antes de amá-lo loucamente na felicidade, o amasse por causa dos seus tiques e do seu riso louco. E, acima de qualquer coisa, amasse-o pelos seus tantos apesares.
Para os amigos, entretanto, iria continuar afirmando que a mulher ideal seria aquela ninfomaníaca cega igual àquela da charge que viu num jornal. O carro virou a esquina. Ele foi para casa sozinho.

quarta-feira, 9 de março de 2011

Nem tudo é o que parece (da mulher)

Como seria o homem que lhe pudesse fazer realmente feliz? É a matéria de uma dessas revistas femininas que eu acabei por folhear em um consultório médico. A revista estava com a paciente que o doutor está agora atendendo.
Logo abaixo da pergunta, há uma série de perguntas e espaços vazios. Um teste para que se possa encontrar o homem perfeito. Ela marcara bem de leve, com um lápis, as respostas e ainda fizera algumas anotações.
O homem ideal seria carinhoso, teria um rosto de anjo, mas que, ao deitar-se com ela, fizesse com que passassem incontáveis horas acordados. Além disso, ele teria olhos meigos, mas que, longe de atenções, não parariam de olhá-la. O homem perfeito faria com que ela quisesse ficar sempre ao seu lado, faria com que ela, ao acordar, quisesse gritar o nome dele – que deveria ter, de preferência mais consoantes que vogais. E, para que ela pudesse começar bem o dia, ele levar-lhe-ia café na cama para depois tomarem uma ducha juntos.
Quando a porta se abriu, fechei a revista num pulo, como se eu estivesse fazendo algo ilegal. Imagina! Eu a olhei saindo, meio atarantada, procurando algo no bolso do casaco. Antes de entrar, olhei-a mais uma vez. E ela foi embora com as idéias do teste na cabeça. Honestamente? Ao vê-la, percebi que qualquer bruto num terno serviria, ela já parecia tão exausta de procurar por aquele moço de revista. Mas isso eu guardo para mim.

terça-feira, 8 de março de 2011

Eu e ele

D epois dos sacrifícios de um mundo,

Os dois meninos nasceram juntos

Para seguirem, separados, seus caminhos

Para serem o mais diferentes possível

E, assim, foram mundo afora

Lá do Velho Continente à América

Gritando para crescer, florescer

Älmas que ocupavam muito espaço

Nas embarcações, nas casas, neles mesmos

Gemiam pela vida, sempre vagando...

Estranhos irmãos, que por caminhos estreitos

Reencontrara-se. Foram viver.

Será que estou tão errado assim?

Simplesmente não entendo por que é tão complicado dizer as coisas apropriadas quando realmente devem-se dizê-las. Acho tão absurdo quando alguém, ao receber um elogio, faz de tudo para se menosprezar. Só falta escrever um manifesto intitulado “São seus olhos, não precisava! MESMO!”
Agora, se você gastou metade do seu salário naquele par de sapatos e parcelou em mil vezes aquele perfume importado, por que, então, fingir que não se importa só para não parecer arrogante? Não, gente, vamos lá! Como assim?
Todos os dias, sob os olhos de todos ao meu redor, pareço cada vez mais egocêntrico, só porque aceito os elogios – mas não as críticas! – sem querer fazer um buraco para enterrar minha cabeça. E não, não acho certo que alguém, ao receber um elogio – sincero, diga-se de uma vez –, diga brutamente “eu sei” ou “já sabia”. Não lhe deram educação, não, seu estúpido?!
Claro que os gregos e os troianos tornaram, simplesmente, impossível para nós agradar a todos, no entanto, nada nos impede de tentar. Então, da próxima vez, quando alguém elogiar a sua calça, não diga que é velha; quando alguém falar que seu perfume é gostoso, não precisa gritar que é Burberry, mas, pelo AMOR de Deus, não fale que é um desodorante aí do mercadinho! Olhe nos olhos da pessoa e agradeça. Só isso, viu?
Porque, honestamente, se você estivesse usando calça super velha e o desodorante do mercadinho da esquina, pode ter certeza de que ninguém ia ser tão simpático com você – tão voluntariamente, é claro!