domingo, 29 de maio de 2011

O que acontece agora?

Nas areias grossas, sujas de musgo

Uma praia escura além dum Bojador

Aonde eu vou para pensar...

Ontem eu caminhava e ouvi:

Passo após passo, eu ainda ouvia

Goles e goles de areia, eu ainda ouvia

Era o mar deglutindo algum bicho!

Arrepiei-me, o mar ganhou.



A lamparina continuava acesa,

A lenha no fogão vermelho,

A sopa dentro da panela quente,

Mas o guarda-roupa você levou

Nenhum trapo de nada ficou

Eu notei as portas abertas,

Eu senti o fogo que estalava

Eu vi o guarda-roupa vazio

Eu ouvi o silêncio de dentro de mim



Quis voltar à praia, mas sabia que... não!

Sentei e começaram os meus pesares

O mais triste do mundo era só eu!

Pois o bicho que o mar matou,

Não foram as roupas que você levou

Mas só o amor que você me deu.

sábado, 12 de março de 2011

Nem tudo é o que parece (do homem)

E se eu não precisasse mais ficar aqui? E se eu nunca mais fizesse isso? Nem viesse aqui? Em vez de incontáveis noites de barriga contra o balcão, eu tivesse uma casa confortável em um bairro afastado. Uma casa com uma cerquinha branca e um cachorro cor de caramelo. E alguém para quem voltar... e aí, como eu ficaria?
Ele pensava olhando assim para o nada, como alguém quando fala ao telefone. Enquanto isso, os amigos olhavam para a grande televisão na parede, gritavam sempre mais alto como se os jogadores, do outro lado do mundo, os pudessem ouvir. Estavam tão compenetrados no jogo que nem perceberam que o Pensador saíra da mesa e já havia ido embora.
Antes de virar a esquina, ele olhou para trás. Viu a fila de pessoas esperando para entrar naquele barzinho tão disputado. Os amigos numa mesa tão boa! Homens e mulheres, todos tão bem arrumados. Será que a mulher da vida dele estaria ali? Seria a de salto alto? A de batom rosa? A de calça ou a de saia? Não! Não era ninguém dali. Ela não estava, pois nunca ali havia ido. Pois nunca havia ido a lugar algum.
Seria tão bom achar alguém assim... capaz de tamanho amor que iria até o fim do mundo buscá-lo, somente para viverem juntos aquele amor infinito de um só fim de semana. Alguém aquém de contratos, inquisições e preços a pagar. Ele pensava naquela que sonharia com ele sob a luz da lua, confiando na eternidade de um sentimento já tão findo. Ele precisava de alguém que, antes de amá-lo loucamente na felicidade, o amasse por causa dos seus tiques e do seu riso louco. E, acima de qualquer coisa, amasse-o pelos seus tantos apesares.
Para os amigos, entretanto, iria continuar afirmando que a mulher ideal seria aquela ninfomaníaca cega igual àquela da charge que viu num jornal. O carro virou a esquina. Ele foi para casa sozinho.

quarta-feira, 9 de março de 2011

Nem tudo é o que parece (da mulher)

Como seria o homem que lhe pudesse fazer realmente feliz? É a matéria de uma dessas revistas femininas que eu acabei por folhear em um consultório médico. A revista estava com a paciente que o doutor está agora atendendo.
Logo abaixo da pergunta, há uma série de perguntas e espaços vazios. Um teste para que se possa encontrar o homem perfeito. Ela marcara bem de leve, com um lápis, as respostas e ainda fizera algumas anotações.
O homem ideal seria carinhoso, teria um rosto de anjo, mas que, ao deitar-se com ela, fizesse com que passassem incontáveis horas acordados. Além disso, ele teria olhos meigos, mas que, longe de atenções, não parariam de olhá-la. O homem perfeito faria com que ela quisesse ficar sempre ao seu lado, faria com que ela, ao acordar, quisesse gritar o nome dele – que deveria ter, de preferência mais consoantes que vogais. E, para que ela pudesse começar bem o dia, ele levar-lhe-ia café na cama para depois tomarem uma ducha juntos.
Quando a porta se abriu, fechei a revista num pulo, como se eu estivesse fazendo algo ilegal. Imagina! Eu a olhei saindo, meio atarantada, procurando algo no bolso do casaco. Antes de entrar, olhei-a mais uma vez. E ela foi embora com as idéias do teste na cabeça. Honestamente? Ao vê-la, percebi que qualquer bruto num terno serviria, ela já parecia tão exausta de procurar por aquele moço de revista. Mas isso eu guardo para mim.

terça-feira, 8 de março de 2011

Eu e ele

D epois dos sacrifícios de um mundo,

Os dois meninos nasceram juntos

Para seguirem, separados, seus caminhos

Para serem o mais diferentes possível

E, assim, foram mundo afora

Lá do Velho Continente à América

Gritando para crescer, florescer

Älmas que ocupavam muito espaço

Nas embarcações, nas casas, neles mesmos

Gemiam pela vida, sempre vagando...

Estranhos irmãos, que por caminhos estreitos

Reencontrara-se. Foram viver.

Será que estou tão errado assim?

Simplesmente não entendo por que é tão complicado dizer as coisas apropriadas quando realmente devem-se dizê-las. Acho tão absurdo quando alguém, ao receber um elogio, faz de tudo para se menosprezar. Só falta escrever um manifesto intitulado “São seus olhos, não precisava! MESMO!”
Agora, se você gastou metade do seu salário naquele par de sapatos e parcelou em mil vezes aquele perfume importado, por que, então, fingir que não se importa só para não parecer arrogante? Não, gente, vamos lá! Como assim?
Todos os dias, sob os olhos de todos ao meu redor, pareço cada vez mais egocêntrico, só porque aceito os elogios – mas não as críticas! – sem querer fazer um buraco para enterrar minha cabeça. E não, não acho certo que alguém, ao receber um elogio – sincero, diga-se de uma vez –, diga brutamente “eu sei” ou “já sabia”. Não lhe deram educação, não, seu estúpido?!
Claro que os gregos e os troianos tornaram, simplesmente, impossível para nós agradar a todos, no entanto, nada nos impede de tentar. Então, da próxima vez, quando alguém elogiar a sua calça, não diga que é velha; quando alguém falar que seu perfume é gostoso, não precisa gritar que é Burberry, mas, pelo AMOR de Deus, não fale que é um desodorante aí do mercadinho! Olhe nos olhos da pessoa e agradeça. Só isso, viu?
Porque, honestamente, se você estivesse usando calça super velha e o desodorante do mercadinho da esquina, pode ter certeza de que ninguém ia ser tão simpático com você – tão voluntariamente, é claro!

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Letting it out

That symptom used to come over him once every week. Every Friday, when the working hours were almost over, the feeling came sly and ruthless. By the time the office was getting ready to call it a day, he got more and more afraid because he knew the feeling would come to possess him mercilessly like it always did.

There was nothing he could do after being taken by that sensation of excruciating confidence. He has never been that secure in his whole life. Someone who has always taken the safest road, the most harmless decisions, and now it was like something strange had taken control of his body. As if some spirit whose personality was already dominating his, was representing a role which conveniently was his life. And, in spite of all the control under which he had been submitted, the only safe piece of knowledge he had was that that serious brunette man wasn’t him anymore.

At dusk, he sensed that the strange behavior was slowly getting stronger as a wicked glare passed by his eyes. When looking in the mirror, he thought he could be turning himself into someone else. Nonsense!

A hot shower would calm those crazy thoughts. It didn’t. After all the hot steam, the expensive aftershave balm and pricey perfume, he kept staring at that naked body in the closet’s full-length mirror and couldn’t recognize those forms. The strong thighs, the muscular shoulders and the impetuous look in his face… That wasn’t his figure. He was inconsolable because he couldn't know whose body was that.

The man looked at the alarm clock at the nightstand. It was late. Late enough so kids could be in their beds and grown-ups out of theirs to do what they were well-known for doing best: drinking, having casual sex, causing trouble and feeling lonely afterwards. His heart started pumping stronger than ever.

Another glare at the alarm clock, he knew exactly what he had to do to find himself again. “I need to find out who owns this body because certainly it isn’t me” – the feeble voice thought before fading away for the rest of the night.

A pair of jeans and a tight black t-shirt were just enough. He left the apartment driving dangerously fast and aiming for some crowded nightclub with a great deal of blinding lights, loud electronic music and drowsy colorful drinks.

As soon as he got there, he felt that sensation again… the confidence emerging from the depth of his being. And, as the music was getting louder, he seemed to be getting possessed again by those feelings which made him feel as if he was being ignored by his own self. And then, for the rest of the night, the confident man acted while he just observed.

In the morning after, a bright Saturday, he woke up. Now he was feeling insecure and sad just like he used to – insecure and depressed was good! He looked and saw in the bed lying next to him was a naked girl sleeping. He was extremely shocked because he had no idea whatsoever of how that girl ended up with him. A pretty girl with blond hair and beautiful legs.

He was cold. The hangover was awful. It was like as if his head was going to explode and his mouth had been filled up with cotton, so dry it was. He got up and went to the kitchen. Dirty glasses, an empty bottle of wine and next to the counter was an ashtray overfilled with half burnt butts, even though he didn’t smoke. Well… he could at least feel some comfort knowing that it hadn’t actually been him who did all that. He got dressed and left leaving the front door opened so the girl could find her way out.

And every Friday went like that. By the time he got in a place no mattered where that confident ghost would take place and act as him, doing everything he had never dared to do. The ghost would also leave him pieces of the turbulent night so he ashamed could reconstruct “his” itinerary and clean up after that ghost’s actions the next day.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Pronomes pessoais em um dia cabalístico

Poços de Caldas, 10/10/10

Apesar de serem amigos há muito tempo, falavam pouco, só o necessário, o que, para eles, já era mais que o suficiente. Ela era namorada do melhor amigo dele. Amigo que, hoje, nem é tão melhor assim. Ele, secretamente, gostava dela. Ela o achava uma graça. No entanto, nunca acontecia nada... nada acontecia.
Até que, num dia nublado qualquer, ela saiu para passear e, como toda boa moça, não pôde deixar de perder um tempinho vendo vitrines. Ele, inocente, também tinha saído, iria pagar umas contas para o pai. Eles não se viam fazia tanto tempo.
Encontraram-se em uma padaria, ele a olhou bem enquanto estava pedindo as bombas de chocolate. Ele ficou vermelho – costumava ser gordinho quando pequeno. Ela entendeu a vergonha e, então, fez um pedido também: cem gramas de mini-croissants de queijo. Ele era o doce e ela o salgado. Ele sorriu, ela sorriu. Foram comer juntos. Eles conversaram o necessário... e o desnecessário – eles precisavam de um supérfluo: “qual outra música você toca no violão?”, “fala outra coisa em italiano...”.
Quando ele percebeu que ela comia o último bocadinho, o último farelinho, o menino sentiu medo, e enjôo, e pavor, e dor no coração: ela iria embora. E ele não esperava o convite para acompanhá-la até o ponto de ônibus.
Ela estava esperando o ônibus com ele, o Senhor Mãos Suadas, quando começou a chover. Era um temporal tão forte que as árvores poderiam ser arrancadas do chão. Em alguns minutos eles estavam ensopados, mesmo estando sob o teto do ponto de ônibus.
Quando ela se encostou, bem devagarzinho, contra o peito dele, o abraço foi inevitável. Ele estava mais forte. Ela era tão delicada que parecia um passarinho. Ele gostava de passarinhos. Eles encaixaram-se tão perfeitamente, parecia que deveria ter sido sempre assim. A chuva continuava, o ônibus nunca vinha e eles ali.
Ela sentiu o início de um espirro, virou-se fazendo uma careta, bem quando ele se virava para perguntar algo. Ela não espirrou. Ele não perguntou. Os olhos, os narizes, as bocas. O mesmo ar, o mesmo sentimento, a mesma chuva, o mesmo beijo, o mesmo longo e maravilhoso beijo. A barba dele fazia cócegas. Ela tinha um cheiro tão bom. Ela fala italiano! Ele toca violão mesmo!
Os dois entraram no ônibus. Ela desceu vinte minutos depois. Ele a olhava pelo vidro, o ônibus não parou... não parou! Um minuto depois, ele desceu. Abraçaram-se forte. E, a partir daquele dia, nunca mais foram os mesmos.