sábado, 10 de julho de 2010

Conclusões

— Tudo bem?
— Acho que sim... – Antônio disse quase dormindo. Suspirou curta e secamente, meio insensível, poderia ser cansaço também, coitado! Tem trabalhado tanto ultimamente! Deu espaço na cama para Olga que, rapidamente, deitou-se, tirando só o jeans que vestia.
Olga queria pegar logo no sono, havia tido um dia cheio. Sua tese de mestrado fora corrigida por aquele orientadorzinho que sublinhou praticamente toda a pesquisa. Caneta cretina! A rotina maçante de seu trabalho sufocava-a. Pelo menos a família estava melhor, o pai saíra do hospital e a irmã formara-se na faculdade.
Idiotice – pensou consigo – também não fiz progresso algum na bendita terapia. “Você tem alguns problemas com envolvimento emocional...” – Olga disse baixinho fazendo uma careta. Terapeuta estúpida!... Dormia agora profundamente.
Acordou cedo, dormia-se tranquilamente ao lado. Olga achava aquilo engraçado, Antônio nunca acordava com o despertador. Um leve suspiro ecoou na imensidão branca da cozinha. Gostava de fazer aquilo, acordar um pouquinho mais cedo e preparar o café da manhã. No entanto, a única parte ruim era a torrada dela que sempre tinha de ser dividida. Mesmo ela perguntando:
— Você quer que eu faça uma pra você, Antônio?
— Não... eu não gosto muito de torrada. Muito seca, credo!
— É... sei.
Se não gostava, por que então ele sempre vinha com aquela lengalenga: “Me dá um pedacinho...” Não queria pensar naquilo, senão começaria o dia de mau humor. E a manhã de sexta-feira estava tão linda. Ah... era sexta-feira.
— Bom dia... Nossa! Já tá pronto. – Antônio falou, coçando os cabelos bagunçados – Olga...? Quando vou levantar e te encontrar ainda dormindo?
— Quinta-feira passada eu ainda estava na cama quando você levantou.
— Você tava na cama, mas não dormindo. – disse mordendo um pedaço de bolo de laranja.
— Que tal sentarmos e começarmos a comer antes que o leite esfrie, sim? – evasiva, Olga respondeu antes de tomar um gole de café com leite espumante, depois mordeu um pedaço de pão com manteiga, guardando a torrada recém feita, a parte mais gostosa, para o final.
— Me dá metadinha dessa torrada? – disse o noivo, que mais parecia uma criança sorrindo com a boca toda lambuzada de geleia.
Ela sorri, corta a fatia e lhe dá metade, pensando: “Ai que raiva! Sempre metade, não é? Porque eu nunca como uma única torrada inteira? Poderia ser o pão, ou o bolo, mas ele sempre come a metade do que eu mais gosto: a minha torrada. Saco! Amanhã vou tomar café antes dele acordar.” – com um pouco de desgosto engole o bocado final da guloseima, se é que se pode chamar uma torrada de guloseima.
Em menos de uma hora, saíam do quente apartamento para a imensidão fria de piche e concreto que os aguardava.
— Às sete a gente se vê – Antônio pisca para ela.
— Porque só às sete horas? Você sai às cinco do escritório.
— Trânsito querida, trânsito.
— Ah! É mesmo... – tanto passou por sua cabeça naquele instante... Poderia ficar sem ele, sem o vagaroso arrastar de pés pelo apartamento, sem a respiração calma, pausada e confiante. Respiração cuja presença dava-lhe tanto amparo. Seriam sessenta longos minutos sem ele que a obrigariam a dançar com fantasmas da solidão cuja impiedade é famosa. Esses fantasmas poderiam muito bem...
...
— Olga? – Antônio sacudiu-a. Olga parecia um bichinho assustado. Antônio abraçou-a, podendo sentir os músculos delicados das costas dela retesados e frios. Após uns segundos de conforto, entraram no elevador. Ele foi para seu dia de trabalho rotineiro e feliz.
— Ai, ai. Ele bem que merece meia torrada. – disse sorrindo em voz alta.

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