sexta-feira, 9 de julho de 2010

Um agradinho

Foi lá pelas oito horas daquele frio sábado de julho, de bonito céu azul, quando percebeu o quanto precisava de umas peças de roupas. Uma calça jeans e um suéter, só. Apesar do cansaço e do conforto convidativo dos cobertores, resolveu ir. Afinal, eram apenas duas peças de roupa.
Entrou no carro, sentou-se, sentiu algo... tirou alguns papéis dos bolsos enquanto planejava o trajeto: iria a uma loja conhecida no centro da cidade, seria rápido e metódico, depois voltaria para seu apartamento onde assistiria a um filme europeu na tevê a cabo. Feito isso, manobrou para sair da garagem cujos portões só funcionavam normalmente aos fins de semana.
Depois de procurar muito por uma vaga, conseguiu estacionar. Saía do carro quando sentiu a inospitalidade daquela manhã, não parecia um bom dia para sair de casa. Mesmo com o sol, o ar estava tão seco que chegava a machucar as narinas ao respirá-lo. As ruas estavam abarrotadas de gente apressada, mal-educada e doida para ir para casa. Seu corpo, contudo, parecia não ligar muito para o ambiente, visto que as pernas logo começaram a marchar e os olhos a percorrer tudo, procurando algo atrativo que o fizesse parar e prestar atenção. Deveria ser o indiferente azul do céu, poderia ser o frio também, sentia os dedos dormentes... parecia meio letárgico.
Percebeu-se parado olhando fixamente uma vitrine. Gostou, quis entrar. Dentro da loja, um umidificador – ar artificial, claro; mas bem gostoso. A musiquinha ambiente (que não era a bossa nova costumeira) parecia mais um mantra. Batidas eletrônicas intercaladas com algo... não sabia dizer o quê. A melodia era tão hipnótica quanto as roupas na vitrine e nas sedutoras prateleiras de madeira clara.
Já estava lá mesmo, o que custava entrar. Que bonitas! Luzes redondas, claras e pequenas numa iluminação dirigida e muito planejada, os tons creme que nada interferiam naquele macio transe de algodão, lã merino e etiquetas de blusas, calças e pulôveres que, nas prateleiras, estavam a se exibir... dane-se.
Conversou um pouco, foi seco e direto. As vendedoras entenderam que ele não estava ali para brincadeiras. Ressentida, o jeans foi ao fashion week do éden. Claro! Trocaram-na pelos esnobes veludos e algodões. Tudo ali se resolvia. Sempre haveria outros tamanhos, outras cores, outras lojas e vários outros cartões de crédito.
Experimentou lãs que o pinicavam. Ah!... Mas ficaram tão bonitas, serviram-me tão bem. Experimentara também parcas, golas rulê, mangas compridas, curtas, camisas listradas, lisas, bordadas. Simplesmente lindo! Seria a luz indireta? Aquela música? Ou espelhos que não mostravam defeitos? Queria viver ali onde as coisas eram lindas e perfeitas, onde suas opiniões importavam e a vida andava.
Tomou uma água e continuou a tarefa do tira-e-põe. Depois de mais provas, um pouquinho mais relaxado, tomou um café e foi indo. Estava sedado e adestrado àquele ambiente, àqueles sorrisos e àquelas conversas. Esqueceu-se de todos seus princípios, mas e daí? A maioria não liga mesmo. E eu sozinho é que não vou conseguir mudar o mundo.
Depois de oito horas, cinco lojas e muito dinheiro gasto, estava de volta a um apartamento gelado em um bairro gelado. “Se bem que o dia hoje nem foi tão ruim assim” – pensou. Aqueles pensamentos inconformistas, no entanto, queriam voltar. Bem, não estou nem aí! – disse em voz alta enquanto se deitava no grande sofá. Aconchegou a cabeça a uma almofada e dormiu abraçado às sacolas.

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