sábado, 17 de julho de 2010

Diversão a noite inteira...

É tão triste ver claramente aquilo que me tornei. Tantas coisas promissoras que poderiam ter sido tanto... Eu queria que o futuro fosse um céu de inverno: azul e genuíno. Sem nenhuma nuvem perturbando a imensidão limpa de paz. Mas essa imensidão, com o tempo, restringiu-se à janela, à vista, aos olhos e agora ao nada. Não consigo ver o céu daqui.
Mesmo não sendo capaz de silenciar as vozes latejantes em sua cabeça, a escuridão era-lhe estranhamente reconfortante – talvez porque, ao menos, podia atenuar a melancolia e o ódio dentro dele. Olhava o céu, nada mais que um universo de carvão. Sentia-se sozinho.
Assim como seu dono, o apartamento estava igualmente abandonado. A cozinha, um nojo completo. A pia cheia de louça suja, engordurada; copos espalhados por todos os cantinhos escuros. Naquele momento, não pensava em limpeza. A varanda estava limpa. Chovera.
Devido a todo o uísque que tomara, sua visão bambeava e o estômago tentava regurgitar algo que não havia ali, droga!
Enquanto isso, a parasita estava alegre em algum lugar dessa cidade. Parasita, sim! Mesmo com sua elegância e todos os sapatos caros... me usou, não usou?
Entretanto, ela não escolhia qualquer um, já que combinaria bem com um atleta, quanto mais forte, mais leso. Mas não, ela queria os introvertidos e antissociais, porque, assim, o desafio era maior.
E, embora levasse tempo, com boa vontade e interesse ela conseguia. Já conseguira tanta coisa! Não queria nem quantidade, nem qualidade. Ela queria precisão. Quanto pior o resultado, melhores eram suas táticas. Provavelmente aquela mulher era toda feita de incitação e provas concretas de um mal ancestral. Ao final das contas, ela, feliz, dançava ao som de solos de guitarra; e eles, ao som de árias tristes.

Nuvens vermelhas como sangue acumulavam-se nos cantos do céu, bordejando as montanhas quase negras enquanto a lua brilhava amarela e opaca. Uma noite escura cheia de pessoas cultas e desesperadas em uma vernissage.
A moça loira olhava uma escultura abstrata, quando ele chegou, disfarçou o nervosismo e tentou falar da melhor maneira que podia:
— Bonito seu anel. De citrino, não é? – disse com cara de entendido, enquanto ela agora olhava a grande pedra amarela no dedo.
— Ah! É esse o nome? – respondeu com ar desinteressado.
Ele a olhou, depois à escultura, e tentou mais uma vez:
— Bonita, não é?
A moça dos olhos brilhantes parou, pensou um pouco... coitado:
— É... bonito... – e com uma olhadela examinou-o de cima a baixo. Reparando bem no pulôver de lã cinza, nos sapatos velhos e nos cabelos desgrenhados. Ele, desanimado, já ia saindo, quando ela disse:
— Você não me falou seu nome...
E ele voltou. Pelo resto da noite... iria, voltaria, subiria, desceria, rodearia, poderia fazer o que ela mandasse a noite toda.

O temporal cairia em minutos, mas algo mantinha as nuvens firmes como mármore. O céu cor de cobre, as nuvens cor de sangue, aquilo não estava certo. E, apesar da paisagem ser linda, eles ignoraram-na, pois havia um carro muito ansioso para voltar à garagem.
Decidiu ir comprar sapatos novos, mas estranhou quando a viu na mesma sapataria rindo com as amigas. Por que ela estaria tão feliz? Estavam falando dele? O quê? Dele? Qual seria o assunto? E por que ela fica dando risadinhas para aquele atendente de camisa azul? Teve vontade de pular de um nono andar, arrebentar-se no concreto. As pálpebras pesavam. Precisava de uma cama quente ou qualquer outra coisa que o acalmasse. Um banho, um café, um colchão com seus convenientes anexos.
Houve discussões, ela foi embora como a garrafa de uísque acabou de ir, agorinha mesmo. Depois, nervoso e com a boca seca, ele, a todo minuto, discava números já memorizados, mesmo sabendo que ninguém responderia mais do outro lado.
Talvez ela não fosse de todo ruim. Era bonita, elegante... “Qual o seu nome mesmo?” – era simpática. “Pode me passar aquele livro?” – nem parecia uma pergunta. “A gente se vê.” – nem parecia uma mentira.
O que ela fazia era isso. Na vinda, trazia beleza, um fugaz burburinho e só. Na partida, o prazer, paixão e arrebatamento, tornavam-se um misto melancólico e destrutivo.
Ela os queria, porque eram seu oposto: nervosos, previsíveis, possessivos. Nunca seria pega, pois os homens não percebem nada. Sequer um anel bonito, mas de vidro.
E, agora que um novo dia rasga dolorosamente o topo das serras, nada está bem, muito menos azul e genuíno.

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