sexta-feira, 16 de julho de 2010

Vida às seis da tarde I

Feira de fim de ano

— Espera... é uma senhora de uns cinqüenta anos, de vermelho e cabelo curto? – eu disse fazendo uma cara de confuso.
— Isso! Essa mesma! Mas para todos os efeitos ela tem quarenta.
Dei um sorriso simpático e apontei a direção da banca em que a senhora, provavelmente mãe dele, estava. Desde que chegou, aquele homem estava tão perdido naquela feira que fiquei com dó e acabei dando um de bom samaritano. E, além disso, sua mãe era conhecida por todos, pois adorava as feiras de artesanato de nosso colégio.
Continuei vagueando pela galeria, correndo os olhos pelas caixinhas, enfeitinhos e demais cacarecos que todos achavam lindos. Todos, menos os alunos, pois passávamos tardes inteiras fazendo as peças e também porque achávamos aquela exposição um absurdo. Parecia dizer às pessoas que não sabíamos fazer nada além de pintar toalhinhas e marchetar porta-jóias de madeira envernizada. E nós, francamente, éramos capazes de fazer muito mais do que peças de artesanato.
— Carlos, vai buscar aquelas caixas que ficaram lá no almoxarifado. – a coordenadora me falou. Nunca gostei muito dela. Diziam que ela tinha um espírito artístico brilhante. Eu só via empáfia e grosseria por trás da armação dos óculos no rosto redondo. Mas... como eu era um dos alunos que ficaram para ajudar, tive que ir. Ah! Mas a escola é grande e ela nem quer tanto essas caixas. Bem que daria tempo para um passeio.
Nas ruas negras de piche – sim, havia ruas na escola –, eu escutava o barulho dos meus passos, diminuí o ritmo até não ouvir mais nada. O cheiro dos ciprestes era muito melhor à noite, sem toda aquela obrigação de aulas e provas, atrapalhando a vida. Infelizmente, cheguei logo ao velho almoxarifado que era usado só para estocar as peças prontas para as deliciosas feiras. Era uma sala bem grande, podia ter sido tão melhor aproveitada. E agora assim: a porta velha pintada de verde-musgo, o forro que abrigava cupins cujo barulho parecia tão grande quanto o escuro mole e pegajoso do lugar.
Carlos procurava um interruptor quando ouviu um som agudo? Um miado? Uma risada? Viu de relance um vulto. Achou que não fosse nada, mas quando o vulto tossiu, quase desmaiou.
— Eu não mordo, não... – deu um risinho sarcástico.
— Que susto, seu idiota! – disse enquanto tentava se acalmar, esfregando a mão no peito.
— Até parece que viu um fantasma – Henrique disse brincando.
— Muito engraçado! Vim pegar as caixas que a outra me pediu tão interessada e você aqui escondido no escuro!
— Relaxa – deu um tapinha nas costas do amigo.
— Casaco legal, Henrique...
—Comprei naquela loja nova no centro. Tem umas blusas legais lá, meio caro... o tecido pelo menos é bom, olha...
— Verdade, parece camurça. Por que você não me ajuda com essas caixas e depois a gente sai, hein?
— Pode ser.
— Então vamos logo antes que a dona Dulce tenha um filho.
Saíram com as caixas, carregando-as da melhor maneira que podiam.
— Aqui, dona Dulce. Colocaram o pedido no chão.
— Ótimo, meninos. – disse, inspecionando o conteúdo (estátuas de gesso) – Nenhuma quebrou, maravilha! Podem ir se quiserem, vocês foram muito bonzinhos hoje.
Desceram a ladeira que dava para o portão principal, já fechado – passava das onze. Carlos estava entretido em fechar o zíper do casaco. Henrique queria sair de lá o quanto antes.
— E aí? Aonde a gente vai? – Carlos falou assim que atravessaram o portão de ferro.
— Não sei. Aonde você quer ir? – Henrique estava pouco interessado, preocupava-se em acomodar as mãos nos bolsos da calça jeans.
— Ah, qualquer lugar está bom.
— É que não estou muito animado pra sair hoje. Todo esse artesanato da feira me cansou. Só quero ir pra casa.
— Ah, então a gente se vê amanhã. Ih... amanhã não vai dar, a Cecília quer sair comigo.
—Fica pra outro dia. Depois a gente marca, tá?
— Daí você me liga...?
— Claro!
Foram andando. E nunca... nunca quatro quarteirões pareceram tão longos.

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